sons do quarto

segunda-feira, setembro 29, 2003

Ursula : La Banda Sonora de Mi Funeral



o outono chegou e é isso que nos transmite o tema inicial de 'la banda sonora de mi funeral', dos espanhóis ursula. este ábum de 2001, que descobri há uns meses atrás, surpreendeu-me pela positiva. é, como disse, um disco outonal, e, também por isso, triste. um disco poético, de partida, com os seus inequívocos sinais a cada acorde, a cada palavra. o título do disco não podia ser mais feliz.

em 'algunos acordes', o já citado tema inicial, enquanto ouvimos o piar triste de pássaros, ouvimos uma voz feminina a murmurar a vontade de 'contar um conto'. uma história singela. este é um disco de ruídos. de ruídos sensíveis e sentidos, que nos vão entrando lentamente nos ouvidos, como o comprova o segundo tema, 'el principio de mi posible fin' - uma canção sem esperança, que relata equívocos, até a voz sucumbir nos intrumentos. até os instrumentos se renderem num solo final de piano. o mesmo piano com que abre 'que el caos se apíade de mi' e serve de base instrumental para a 'guerra' de david cordero, líder do projecto, com os seus fantasmas. até tudo se desfazer num caos, delineado pela entrada de 'instrumentos sujos', aparentemente desconexos com o acordeão que dá o mote ao resto da canção.

'triste pero cierto' levanta a poeira, marcando o regresso, na fase inicial das duas partes da canção, ao formato guitarra acústica-voz sussurrada, à la smog. cordero dá sinais claros que já não tem respostas, nem tão pouco perguntas a fazer. e as palavras apagam-se quando entra a melódica, que apaga a necessidade de sussurros. 'después de atardecer' é o tema que se segue - dando claro sinais de ruptura, com o que se vinha a ouvir até aqui. é um tema muito sujo, sexual, típica banda sonora para filme de homem traído, em desespero. "¿cuántas noches te has follado a otros?...y esta noche, ¿cuántos han caído?" - pergunta cordero, perdido, algures, na madrugada. à espera do que já não existe, na certeza do que já não é: "te vou mandar al carajo!" - frase que abre uma tertúlia jazzy e fumarenta com que se chega ao final da canção.

e da madrugada parece que saltamos para a luz do dia de '5000', tema que abre com conversas de rua, onde são audiveis, entre outras, vozes de crianças. as mesmas vozes que se vão arrastando ao longo dos quase três minutos de canção, acompanhadas por um sampler obsessivo, que nos parece querer dar-nos a imagem visual de alguém que observa, da sua janela, os movimentos da rua. 'arañas' é uma declamação dolorosa de alguém perdido e distante do que o rodeia, que vê tudo a fugir-lhe das mãos. é uma nota de efemeridade sobre a cidade. uma vida que, segundo cordero, fica presa a uma teia de aranha. e, tudo acaba, de novo no caos dos fantasmas, algures entre as programações e uma guitarra que nos vai projectando o destino cambaleante até 'la despedida', um instrumental doloroso e lacrimoso, já sem presença vocal, sublinhado pela batida do coração, transmitida pela belíssima linha de baixo, que se apaga perto do fim, deixando os últimos acordes para o piano com que o disco finaliza.

'la banda sonora de mi funeral' é um disco onde a dor e o desalento se confundem com a beleza. óptimo para a estação que agora começa, especialmente indicado para tardes/noites já mais frias e, especialmente, chuvosas. quem gosta de smog, low, codeine, arab strap, ou da 'onda espanhola' ligada aos migala, tem aqui um álbum que vale a pena ser ouvido, desde que o seja feito com atenção e, sobretudo, de auscultadores. para se perceber cada ruído, cada murmúrio, cada lágrima, de um final infeliz.



som do quarto: ursula . después de atardecer

palavras: "¿cuántas noches te has follado a otros?...y esta noche, ¿cuántos han caído?" , David Cordero

a banda: os ursula são uma banda de cádiz, espanha, formada por : david cordero (voz, guitarra, programações, samplers, melódica, acordeão), cristo ramírez (baixo, guitarra, voz), raúl raja (guitarra, melódica, programações) e Ben Montoya (slide, piano, guitarra, teclado, harmónica).

URL: ursula

domingo, setembro 28, 2003

Jazz & Blues

no catacumbas jazz bar, no bairro alto, decorre, até dia 1 de novembro, uma exposição de fotografias de bruno espadana intitulada "jazz & blues".

a exposição que reune 16 fotografias capturadas em ensaios e concertos de bandas ligadas ao universo do jazz e do blues, pretende ligar, segundo o autor, "a visão pessoal do fotógrafo sobre o ambiente muito próprio destes estilos musicais a um espaço que lhes é dedicado por excelência - o do catacumbas jazz bar".


URL: Jazz & Blues

No Temp(l)o dos Assassinos

a rtp transmitiu ontem, a horas excessivamente tardias, convenhamos, o concerto que o jorge palma deu no centro cultural de belem - repleto e rendido - no início do passado mês de junho.

o espectáculo, como é natural, até porque deve ser lançado em dvd, não passou na integra. no entanto, sublinham-se algumas pérolas como 'giselle', tema dedicado à sua primeira mulher (giselle branco), pertencente ao primeiro disco, ainda inédito em formato digital, e revisitas interessantes a temas pouco tocados, como o 'dizem que não sabiam quem era' e 'o fim' dedicado ao poeta urbano joão gentil, o homem do 'nesta cidade'.

o palma talvez esteja hoje, fruto das circustâncias de um sucesso tardio, menos do outro lado da luta do que já esteve. mas, mesmo com a voz limitada, devido a problemas de saúde que o afligiram, na altura deste concerto e do do coliseu do porto dias depois, houve muito do velho espírito do jeremias-fora-da-lei presente no CCB - a versão do 'lado errado da noite' é enorme.

estes espectáculos tinham a designação de "jorge palma: só no tempo dos assassinos". e, o grande reparo que há a fazer é mesmo o facto de não ter estado sozinho em palco o tempo todo. as participações do seu filho vicente até poderiam ter 'alguma piada' se não se prorrogassem a mais de duas músicas. e bastava, muito sinceramente, fazer segunda guitarra acústica, porque cantar, ainda por cima com virtuosismos desmedidos, não encaixa ali e a falta de afinação chegou a arrepiar.

esqueçamos isso. sublinhe-se o ambiente belíssimo e a execução primorosa de algumas canções, e aí, tal como o palma diz na canção, é que percebemos que: "foi nessa viagem que descobri que não estou só". eu acredito que sim.


som do quarto: jorge palma . giselle

palavras: "giselle, vamos juntos apostar. nada temos a perder. já que a solidão te pode atordoar. e a manhã não vai ficar eternamente à tua espera - improvisa um despertar". jorge palma, 1975


sábado, setembro 27, 2003

Ir e Vir (Ou a Cantiga como Arma)

tive a felicidade de um 'camarada' italiano, fiorenzo gualandris, ter-se lembrado de mim e de me ter enviado esta música - "ir e vir" - que procurava desde a primeira vez que a ouvi, num concerto do bloco de esquerda, em 2002, em que jorge palma e joão lóio partilharam o palco para um momento único.

meses mais tarde, num belíssimo concerto de joão lóio, por altura do lançamento do seu último disco, tive a oportunidade de falar com pessoas ligadas ao multifacetado artista portuense, que me disseram que a mesma fazia parte do disco "pois canté!", do grupo de acção cultural (GAC), de que faziam parte lóio, josé mário branco, carlos guerreiro, rui vaz, pedro casaes - os três últimos dos gaiteiros de lisboa -, entre outros, como eduardo paes mamede, tóinas, joão lisboa - crítico de música do "expresso" - e nuno ribeiro da silva, que chegou a ser secretário de estado da juventude de um governo de cavaco silva.

o grupo de acção cultural foi formado em maio de 1974, poucos dias depois do 25 de abril de 1974, com josé mário branco, acabado de regressar de frança, a assumir o papel de líder. o GAC, curiosamente, surge das cinzas do CAC, colectivo [de acção cultural] de músicos desfeito por divergências ideológicas, entre artistas comunistas (adriano correia de oliveira, luís cília), independentes (zeca afonso, sérgio godinho) e os elementos - ligados, de certa forma, à UDP, que vieram a formar o GAC, com quem fausto chegou a colaborar numa fase inicial.

no início, o grupo de acção cultural era formado por um conjunto de músicos anti-fascistas, que procuravam a intervenção cultural em favor da resistência e das lutas do povo, com o desejo da unidade e da valorização do trabalho colectivo. marcadamente politica e interventiva a música do GAC acabou por ser um dos símbolos do PREC, reunindo à sua volta elementos ligados à política, que trabalhavam juntamente com músicos de grande qualidade, que, para além da sua missão interventiva, enquadraram as canções do projecto no panorama da música popular e tradicional portuguesa.

o GAC, de 1974 a 1977, esteve presente em todas as lutas espontâneas do povo, pela habitação, pela ocupação, pelas lutas em prol de melhores salários, realizando, em portugal e no estrangeiro, mais de 500 concertos.

em canti nella bufera, página de fiorenzo gualandris - também ele um músico de intervenção italiano -, pode-se encontrar um arquivo sonoro de monta, dedicado à cultura popular e proletaria. destaque, claro está, para o disco "pois canté!", do GAC, disponivel na sua totalidade para 'download', com boa qualidade sonora, sabendo-se, ainda para mais, que é uma das mais valiosas 'pérolas' da música portuguesa de sempre, nunca reeditado em formato digital.

som do quarto: grupo de acção cultural . as mãos dos trabalhadores

palavras: "o operário tem as mãos mais perfeitas que há no mundo. mãos que constroem as casas, as cidades e as pontes. mãos que produzem de tudo e que rasgam horizontes. mãos fortes e calejadas, que também sabem carinhos. mãos que podem virar armas para abrir novos caminhos" (grupo de acção cultural, 1976)

sexta-feira, setembro 26, 2003

Kafka : Fantôme [ao vivo]



url: kafka

Subjectividades

decidi colocar, no passado fim de semana, um ponto final à minha ligação à zine a puta da subjectividade, com a qual colaborei ao longo do último ano. foi uma decisão pensada durante os últimos meses e que se deve a dois factores: 1) a impossibilidade de conciliar a minha participação na zine com outros projectos que tenho, que, neste momento, são bem mais importantes ; e, sobretudo, 2) a minha forma de análise aos discos, não se enquadra minimamente na "linha editorial" do conjunto, sobretudo no que diz respeito à parte que (mais) me tocava - a de música portuguesa.

hoje percebi - e já nenhuma dúvida me restava - que tinha razão, após um curto 'diálogo' com alguns elementos da 'redacção' sobre o novo disco de kafka. a forma como as bandas portuguesas são tratadas é, de todo, do meu desagrado, com algo de persecutório, que leva a críticas, muitas vezes, completamente injustas com o(s) trabalho(s) em questão. e mesmo que os textos sejam de autor, não me sinto minimamente enquadrado com este 'estilo' demasiado impetuoso e cáustico.

no entanto, foi um prazer colaborar com o projecto, sobretudo por me ter permitido fazer um trabalho de que muito me orgulho: a entrevista à 'diva' anabela duarte, que, em breve, irei repor aqui.


som do quarto: kafka . her only nightgown + asylum song . ao vivo na rum

palavras: os kafka são, sem margem para dúvida, uma das melhores bandas portuguesas da actualidade. 'fantôme' (intro das waltz) é, para já, o melhor disco português de 2003. merecem ser ouvido com atenção. e, também a não a perder, os concertos ao vivo da banda - no mínimo, muito interessantes!

A Carta

quatro e meia da manhã. acabei de rever kafka na n*tv e de me relembrar do verão de 2001 - o mesmo em que surgiu a minha banda : cais de veludo . faz hoje exactamente dois anos que começou a longa viagem, carrega de ilusões, que entretanto se foram desfazendo - ou talvez não . relembro-me que nesse verão, os kafka - e não só - foram um importante estímulo para começar a fazer alguma coisa, um 'sonho' que entretanto crescera bastante a partir do momento em que comecei a compor . na altura, eramos 5, depois fomos 6 - e eramos 6, fez ontem um ano, no mágico concerto de uma escola secundária, talvez o momento crucial a que não demos sequência, por uma série de motivos, que fazem parte do nosso infinito intimo. hoje os kafka eram só três e funcionou bem . nós, entretanto, somos menos do que os 6 que já fomos. cinco. quatro. cinco . talvez, quatro .

eu fico - porque acredito num novo cais . o mesmo do início - que, apesar de tudo, é do que tenho mais saudades .


som do quarto: toranja . a carta

palavras: "desconfio que ainda não reparaste que o teu destino foi inventado por gira-discos estragados aos quais te vais moldando", tiago bettencourt.